O ERA UMA VEZ QUE FALA DA GENTE
Once
Upon a Time [Era Uma
Vez] é um seriado americano do canal ABC transmitido pela Netflix também no
Brasil. Foi lançado em 23 de Outubro de 2011. O
seriado está baseado no entrelaçamento de personagens dos contos de fada,
folclore e literatura com a vida real.
A série oferece inúmeras
reflexões e paralelismo com a realidade fora da tela da TV.
Em primeiro lugar, a história
começa com a questão da perda de memória dos habitantes de Storybrooke. Eles
não sabem quem eles realmente são. Todos eles têm, por assim dizer, uma segunda
personalidade que pertence a outro mundo. Existe um mundo, chamado de
“fantasia”, que é tão real quanto este que chamamos de “realidade”. Se
estivermos alienados do primeiro a vida no segundo é desanimadora e vazia. Nada
de mais familiar, é meu pão de cada dia: ajudar a enxergar o outro si dentro de
si. Nos identificamos com aquilo que os outros nos disseram que somos. Quem
está satisfeito com isso? Falta alguma coisa, apesar de que tão comum quanto a
insatisfação é o medo em se dar o direito e a chance de acreditar em algo
diferente do feijão-com-arroz do cotidiano. Essa batalha por crenças está no
cerne do seriado.
Em segundo lugar, a luta entre
o bem e o mal está revisitada e aprimorada. Tudo começa, como todos podemos
conferir em nossas vidas, com um “mau” lá fora de nós. Alguém que não gostamos
e que nos prejudicou sempre existe, queiramos ou não admitir. Todos conhecemos
a figura do “inimigo”, todos sofremos, fomos vítimas, lutamos. E esse mal
existe mesmo, não é viagem da nossa cabeça, mas o seriado mostra os bastidores
do mal e o longo, mas longo mesmo, processo de superação do mal.
O mal nasce, geralmente, da
dor. Mas não é suficiente dar amor a quem sofreu para que “tudo fique bem”. Uma
vez que a dor se instala, ela faz raízes. Junto a ela, encontramos
frequentemente orgulho, raiva, ódio e vingança. Sentimentos fortes – todos
muito bem expostos no seriado, sem dó e sem remorso. Uma vez instalados eles
dão lugar a uma série de eventos difíceis de evitar até que haja as condições
para que esses sentimentos sejam processados e superados. Enquanto isso, muitas
outras dores aconteceram. Nesse rodamoinho de conflitos aos poucos, bem aos
poucos, uma nova configuração da identidade pessoal emerge.
Em terceiro lugar, o seriado
mostra como apesar dos erros e dos arrependimentos, tendemos a errar novamente!
Isso porque as feridas internas demoram muito a cicatrizar, ficamos reféns de certos
sonhos por muito mais tempo do que a racionalidade pode entender.
Enfim, o pano de fundo de toda
a história, explicitada nos episódios finais as série, é aquela entre a crença pela
qual somos feitos para, podemos criar e manter o amor, a união e a beleza e
aquela outra crença que nos mantém no sentimento de isolamento, desconfiança em
nós mesmos e perda de sentido na vida.
Ser si mesmos significa
acreditar e integrar algo que a cultura coletiva considera “fantasia”. Os
desafios que os personagens do seriado enfrentam simbolizam aqueles que
enfrentamos na luta diária pela nossa integridade e valor próprio, que questionam
valores sociais aprendidos e profundamente arraigados em nós e nas pessoas à
nossa volta.
Todo filme, dizia Jung, é uma
projeção da cultura que o produziu, mostrando seu avesso. Era Uma Vez só podia
ser americano, porque esta é uma sociedade que mantém rigidamente separados os
dois mundos, “realidade” e “fantasia”. Sua racionalidade fanática permite o
surgimento de histórias sobre a urgência de lembrarmos de quem realmente somos
– para sermos felizes.
Adriana Tanese Nogueira
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